Na Minha Estante #7
Balada para Sophie
Filipe Melo & Juan Cavia
Antes que o ano acabe, deixem-me falar deste livro.
Não costumo ler muito as chamadas novelas gráficas, ou histórias aos quadradinhos como lhes costumávamos chamar, apesar de efectivamente ter começado a ler com as revistinhas da Disney. Conto pelos dedos as poucas que tenho agora (o primeiro volume da coleção Sandman, e um de Hellboy, que entretanto não consigo já completar nenhuma delas). Banda desenhada, portanto. Embora com este livro, tenho pena de lhe chamar só banda desenhada, porque soa a pouco para o que é.
Quando foi lançado tive curiosidade por ele, como tive quando os mesmos autores lançaram Os Vampiros, ainda mais sabendo que falava de música e de músicos. Só que na altura o preço travou-me um bocadinho e deixei passar o pré-lançamento.
Até ouvir uma entrevista com o Filipe Melo e perceber que por dentro do livro está a memória, e uma homenagem, à Beatriz. Foi na Antena 2, onde voltei a ouvi-la tocar. Uma última vez, uma gravação, um pedaço congelado no tempo de quem ela era e aonde ainda pude voltar. De nós, que fomos colegas dela e que a conhecemos e acarinhámos, entre as pessoas com quem ainda falo, ainda dói, e ainda nos sentimos atordoados com o que aconteceu. Para mim, foi o suficiente para perder o amor ao dinheiro e, que se lixe, venha o livro.
Não me arrependi. Quando o acabei de ler, de um trago, chorei, não consegui perceber se de tristeza, se de alegria ou outra coisa qualquer.
Sim, é uma história sobre música, e sobre músicos. E sobre arte, e escolhas na vida, os percursos que ela toma, o que escolhemos fazer, ou o que escolhem por nós para fazermos. Vai buscar música clássica, e os vultos incontornáveis ao piano, mas também aqueles músicos e músicas fáceis de que parece que todos gostam e são feitas por medida para vender, coisas como Richard Clayderman e André Rieu. As velhas questões, vale mais cultivar a arte da perfeição, ainda que mais ninguém a aprecie, ou fazer estas musiquinhas e mover massas? Odeio o meu rival, mas amo o meu rival? A obcessão, os trambolhos no caminho, a incapacidade de perceber se somos capazes, se nos sentimos fraudes.
Cada personagem está viva, e acabamos por nos afeiçoar muito a eles. Vi um pouco de mim no Julien, e no François (podia dizer, eu sou a falta de dinheiro do François e a falta de talento natural do Julien). Vi um pouco de mim na Marguerite, e nos seus chás. Não tanto na jornalista, talvez porque desde o início projectei nela a sombra da Beatriz.
O argumento, o desenho, a cor, a conceção; tudo isso achei fantástico. É uma obra daquelas que tem força por si própria, bem delineada, capaz de se auto-sustentar e convidar à releitura.
Leitura mais do que recomendada.